Quando visitei a Turquia pela primeira vez, em 2016, o que mais me encantou não foram os cenários coloridos, as vastas plantações de oliveiras e tamareiras, as atípicas formações rochosas da Capadócia ou o inesquecível passeio de balão.
Sabe o que mais tocou o meu coração?
Foram as pessoas.
O povo turco, para mim, é como o efeito que deixa uma pintura preta e branca colorida. Nem de longe a Turquia é preta e branca. Pelo contrário. A Turquia é encantadora e fascinante, um lugar que eu visitaria todos os anos com a mesma expectativa e empolgação.
Quando penso nos turcos, no entanto, vejo o povo como o cheirinho de um produto de limpeza. Sim, um bom desinfetante é o suficiente para deixar a casa limpa. Mas quando ele vem acompanhado de um cheiro de flores frescas colhidas no bosque, aí temos dois sentimentos – o contentamento de deixar a casa limpa e o afago do cheirinho bom de limpeza. E esse segundo ponto faz diferença.
Sei que isso pode soar um tanto quanto polêmico e dissonante porque a fama dos turcos não costuma ser muito boa. Avarentos, trapaceiros nos negócios, machistas e até perigosos. É isso o que você ouve falar sobre os turcos?
Pois bem, eu vou te contar tudinho tudinho sobre como minha opinião sobre os turcos se formou.
Uma vizinhança de turcos
Voltemos para o ano de 2023. Maio de 2023, mais precisamente.
Eis que algumas casualidades (e graças) da vida levaram minha irmã e eu à experiência de morar por cerca de cinco meses na Turquia.
Cinco meses não é uma longa jornada. Mas também não é uma viagem de férias. Foi um período significativo para conhecer melhor o povo que então seria o nosso lar: os turcos.
Nos estabelecemos em Ancara, a capital da Turquia, e passamos um período em Izmir, uma das cidades que eu mais gosto do mundo inteiro.
Diferente de Istambul, que é cosmopolita, Ancara é o lugar da “turcaida”. Durante os mais de cem dias que passamos na capital turca, não ouvíamos nas ruas outro idioma que não fosse o turco.
Para você ter uma ideia, de acordo com dados da TurkStat, cerca de 80-85% da população de Ancara são turcos. Os outros 10-15% da população são curdos e tem 5-7% de refugiados sírios.
A Turquia tem uma população relativamente jovem. Ancara não foge desta estatística. Por ser a capital e um polo universitário, a cidade atrai muitos profissionais e estudantes. A cidade tem como mediana de idade moradores de 32 a 34 anos.
Foi exatamente com este povo que convivemos sete dias por semana, trinta dias por mês. Eram turcos os donos do apartamento que alugamos, eram com os turcos que pegávamos transporte público, eram turcos que trabalhavam no supermercado e na fruteira da rua, eram turcos os funcionários das lojas, dos cafés, dos restaurantes. Sim, turcos por tudo e por todo o lado. Esta intensa convivência nos ajudou a criar um ponto de vista no mínimo considerável sobre a identidade, os costumes e, por que não, o caráter deste povo.
O que ouvi e o que vi
Antes de partir para essa aventura em território turco, procurei bastante material sobre o povo turco e confesso que fiquei um pouco preocupada com o que encontrei.
Em resumo, saí do Brasil com as seguintes concepções:
- ao interagir com homens turcos, não olhar nos olhos para que eles não pensarem que estou com segundas intenções;
- ao usar o táxi, ficar atenta e preparada para extorsões;
- não sair na rua ao anoitecer para não ser sequestrada, molestada ou esquartejada.
Cabe esclarecer que experiências e circunstâncias são próprias de cada pessoa. O que funcionou para mim pode não funcionar para outra pessoa e vice versa. Além disso, estávamos em Ancara e convivemos com os turcos de lá e de Izmir. Não sei como é o povo turco de outras localidades.
Mas eu voltei para o Brasil portando as seguintes histórias:
- fiquei best friend do turco da fruteira da rua, mesmo eu não falando turco e ele não falando português ou inglês;
- um taxista me devolveu o dinheiro que, sem querer, dei a mais no momento do pagamento;
- minha irmã e eu pegamos um ônibus à meia noite e caminhamos por uns vinte minutos até nosso apartamento acompanhadas de duas malas de viagem e chegamos em casa sãs, salvas e felizes.
Acho que nossa atitude é fundamental para fazer do lugar que vivemos uma bênção ou uma maldição, inclusive tem uma historinha bem legal sobre isso que contei aqui.
A Turquia é um lugar muito seguro. Me sentia à vontade para me deslocar sozinha à pé ou de transporte público. Claro que em qualquer lugar do mundo é essencial se certificar dos pontos perigosos da cidade e evitar sair sozinha em certos horários do dia. Mas posso te dizer que me sentia muito segura na Turquia e não há palavras que expressam quão bom é se sentir assim. Penso que é um direito mínimo que todos os cidadãos deveriam ter.
Os turcos com quem convivemos sempre foram muito respeitosos. Eu não tenho sequer um relato de ver um turco virando o pescoço para olhar para uma mulher bonita com quem cruzaram na rua. A única falta de respeito que eu posso relatar é que se você está no transporte público e libera um assento, muito provavelmente se um homem turco estiver de pé, ele prontamente irá se sentar no banco que liberou. 😆 Se for um turco jovem, ele cederá o lugar para uma mulher de qualquer faixa etária. Mas se ele tiver mais de quarenta anos, ele vai sim sentar no assento liberado na maior cara de pau.
Outra coisa que não me passou despercebida foi o quão alegre é o povo turco. E mais: eles estão sempre interagindo entre eles. Se você for em um restaurante frequentado por locais provavelmente perceberá que eles conversam muito, muito. E conversam num alto tom de voz. E neste mesmo ambiente costumeiramente terá uma música turca em volume bem alto e uma cortina de fumaça de cigarro. Mas abstraia esse aparente caos e contemple a beleza deste cenário: pessoas conversando animadamente, sem intervenção do celular. E detalhe: sem a atuação do álcool, já que a maioria dos turcos é muçulmana.
Falando em interação, eu teria vários casos pra te contar, mas algo que me impressiona é a facilidade dos turcos puxarem assunto com estranhos. Eu percebia muito isso no ônibus. Era muito comum observar longas conversas entre estranhos. Minha irmã e eu nos vimos em situações constrangedoras por causa da limitação do idioma, uma vez que especialmente na parada de ônibus era bem comum as turcas puxarem assunto conosco sem se sentirem intimidadas com o fato que não sabíamos quase nada do idioma.
Mais uma constatação que enche o coração de alegria: apesar de não serem ávidos no costume de tomar banho todos os dias, os turcos são muito higiênicos, sobretudo quando o assunto é comida.
Peraí, deixa eu criar um subtítulo para te falar especialmente sobre isso.
Higiene dos turcos
Embora muitos não sejam praticantes, a maioria dos turcos é muçulmana. Na carteira de identidade deles, inclusive, há essa inscrição.
A limpeza é um aspecto fundamental da vida muçulmana e mesmo para aqueles que não praticam a religião, muitos costumes viraram parte da identidade cultural do povo turco.
O Islã considera tanto a pureza física quanto a pureza espiritual indispensáveis para se aproximar de Deus e viver uma vida saudável e equilibrada. Tanto que o Profeta Muhammad (Maomé) declarou: “A pureza é metade da fé.”
Antes de realizar as orações diárias, os muçulmanos tem por hábito lavar as mãos, o nariz, a boca, o rosto, os braços, a cabeça e os pés.
Inclusive depois de usar o banheiro, as mulheres (não sei como funciona no caso dos homens) se lavam porque espera-se que o muçulmano esteja em estado físico e espiritual de pureza para realizar suas orações.
É bem comum você encontrar banheiros de estilo oriental, conforme imagem. Eu me questionava sobre a presença de uma espécie de jarra (por vezes um balde) e uma torneira junto ao sanitário. Depois vim a descobrir que após realizarem suas atividades fisiológicas, as mulheres enchem aquela jarra com a água da torneira e fazem a higiene de suas partes íntimas assim, com água corrente.
E esse tipo de banheiro costumava estar com o chão bem molhado. Xixi? Não, ufa! Com o tempo descobri que o piso fica neste estado porque depois da utilização, as mulheres costumam limpar o banheiro utilizando o balde e água daquela torneira que mencionei. Que tal?
Mas cabe ressaltar que também há muitos banheiros de estilo ocidental, os que estamos acostumados a usar, e que certamente há muitas turcas que provavelmente se limpam utilizando apenas o papel higiênico.
Depois destas considerações sanitárias é válido salientar que o padrão de limpeza dos banheiros da Turquia é bem alto! Mesmo os mais simples costumam não deixar a desejar. Certa vez minha irmã precisou utilizar um banheiro público e até este estava em excelente estado. Aliás, falando em espaços públicos agora me lembrei que durante todo o tempo que passamos na Turquia nunca vimos sequer um morador de rua. Interessante…
Bom, além da limpeza pessoal, tem outra coisa que, para os muçulmanos, deve ser muito limpa: a comida. E aqui chegamos numa parte que muito nos interessa.
É notável como são limpos os estabelecimentos culinários na Turquia! Te falo com tranquilidade que você pode frequentar mesmo lugares bem simples com a certeza de que é tudo limpinho e higiênico.
Para mim a culinária turca é uma das melhores do mundo! Pensa na satisfação de comer uma comida boa com a certeza de que ela foi preparada com esmero, limpeza e capricho.
E uma curiosidade: raramente você encontrará cozinheiras nos restaurantes. Praticamente são apenas os homens que vestem o avental e preparam as comidinhas que enchem nosso coração de alegria.
Os turcos e a Turquia
Sabe outra coisa interessante que observei? Não há um grande movimento migratório dos turcos para outras partes do mundo.
Sabemos que a Europa no geral está envelhecendo porque os jovens não se mantém lá. Aqui mesmo, no Brasil, percebemos um fluxo bem considerável de pessoas que estão ou mudando para outro país ou pensando seriamente na possibilidade.
Na Turquia, no entanto, tive outra percepção.
Ao visitar lugares turísticos ou cidades menos populares, era comum eu perguntar para os locais sobre qual era a cidade natal deles. E curiosamente quase todas me respondiam que seu lugar de nascimento era exatamente o lugar onde estavam morando.
Decidi pesquisar se minhas observações eram fatídicas e eis que minha impressão estava correta.
Os turcos, como sociedade, possuem uma forte ligação cultural, histórica e emocional com seu país.
A Turquia, de fato, é uma nação incrivelmente rica em história, cultura e identidade. Muitos turcos têm um profundo orgulho de sua herança, que remonta ao Império Otomano e ao passado turco pré-islâmico. Esse vínculo cultural resulta em uma resistência a abandonar o país.
Além disso, eles valorizam muito a família (❤️) e costumam preferir permanecer próximos dos parentes.
É também digno de nota que a Turquia é um país com regiões de grande desenvolvimento, como Istambul, Ancara e Izmir, que oferecem oportunidades locais para trabalho e educação. Para muitos turcos, não é necessário sair do país para buscar uma qualidade de vida aceitável. Apesar das oscilações econômicas, a proximidade com a família e o aporte cultural pesam mais do que as incertezas associadas à migração.
Essa ideia cultural é tão poderosa que mesmo os que vivem no exterior mantêm vínculos com a Turquia, continuam visitando regularmente seus familiares e, em muitos casos, retornam ao país na aposentadoria.
Os turcos são muito amáveis
Um povo feliz, caloroso, hospitaleiro, limpinho, que faz comida deliciosa, tem fortes vínculos familiares e ama suas origens – pra mim estes são os turcos! Se você conhecer e conviver com eles talvez terá a mesma impressão.
Vale a pena conferir também este post que mostra alguns exemplos de como o próprio idioma tem muito a contar sobre a cultura e o povo turco.
Tenho um presentinho para quem chegou até aqui e não, não é um cupom de desconto da Insider. 😆
Como a música é uma poderosa forma de expressão, fiz uma pequena playlist no Spotify para você conhecer um pouco mais do povo turco através dessa linguagem. É esta aqui. Depois me conta se você gostou! ☺️
